Como voluntária no Colégio Sidarta, em Cotia (SP), percebi uma carência entre alunos do 6º ano de atividades que envolvessem trabalhos manuais, artes e outras habilidades. Por isso, conversei com a diretora e perguntei se poderia desenvolver algo para a aula de projetos especiais, que estava estava livre. Após uma sondagem com as crianças, entendi que, mais do que desenhar e realizar criações artísticas, os alunos queriam saber por que estavam na escola e tinham que estudar. Para ajudá-los a encontrar respostas para seus anseios, criei o projeto das caixas, que chamei de GLOWD!. A ideia não era responder essas perguntas, mas mexer com os sentidos e mostrar para os jovens que quando a gente está alerta, conseguimos perceber o nosso entorno e ter uma visão muito mais ampla do mundo.
O exercício começou com a montagem de caixas no meio da quadra, o que já foi uma brincadeira divertida para eles. Depois, para mostrar como o olfato desperta memórias, pedi que entrassem em suas caixas com um lenço com o perfume da mãe ou do pai ou algum cheiro que remetesse a infância e escrevessem, na parte de dentro, lembranças que tinham da vida. Um aluno até perguntou se eu iria ler o que estavam escrevendo, mas eu falei: “não, é uma coisa sua”.
Alunos escrevendo dentro das caixas. Acervo pessoal
Na semana seguinte, eu falei pra eles: “agora vocês vão entrar na caixa, ficar de pé, no escuro, e com um lápis bem afiado, vão começar a furar a caixa”. A ideia era que eles escolhessem alguma lembrança que escreveram no lado de dentro e fizessem um furo pra cada tipo de sensação que foi marcante na lembrança. Por exemplo: para o dia que você caiu de bicicleta, qual é a sua lembrança maior? Pode ser uma lembrança do tato, porque sentiu dor, ou uma lembrança do cheiro da grama onde caiu. O número de furos representava a intensidade da lembrança.
A partir disso, eles perceberam que, quanto mais furos faziam, mais luz ia entrando. Aí eu falei “depois que vocês tiverem feito um número de furos suficientes, vocês podem começar a se mover dentro da caixa e andar pela quadra para tentar reconhecer o outro”. Os que tinham mais furos, conseguiam se locomover melhor.
Movimentação pela quadra. Acervo pessoal
Uma das crianças perguntou o que tinha dentro da caixa e eu respondi com outra pergunta: “Como dá pra saber o que tem dentro?”. E outro aluno respondeu que só “entrando na caixa”. A minha próxima pergunta foi: “E se a caixa for uma pessoa?”. Aí foi quando eles entenderam que a visão que você tem da pessoa por fora não é o que a pessoa é por dentro. Eles começaram a pensar que você não conhece alguém só de ficar olhando pra ela e a atividade desencadeou toda uma discussão sobre preconceitos e estereótipos.
Alunos trabalhando em suas caixas. Acervo pessoal
Depois de todo esse processo, os próprios alunos entenderam que quando a gente está no nosso próprio mundo, estamos no escuro, na ignorância. Dar importância para as nossas experiências e para os nossos sentimentos muda a nossa vida e a gente começa a enxergar o outro. No fim, eu não ensinei matéria alguma. Eu ensinei as crianças a perceberem as coisas.
Kita Flórido - Arquiteta e Diretora de Arte. Além de trabalhar com publicidade, curadoria e arquitetura, trabalhou como voluntária durante mais de 10 anos no Núcleo de Projetos Sidarta e no Colégio Sidarta, desenvolvendo projetos culturais de arte educação. O Projeto GLOWD! é um dos projetos desenvolvidos e aplicados no Colégio Sidarta.